quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Meu pai sempre perde!

Hora de dormir; a hora em que a harmonia preenche os corações da família e todos comungam a alegria de estarem juntos. Bom, em qualquer roteiro de comercial de repelente para insetos isso  basta. Aqui porém o verão é tempo de migrar! Sim, migrar para o único comodo da casa com que dispõe daquela fabulosa invenção do inexorável Willis: Ar Condicionado.
Todos acomodados em modo cortiço (cachorro, pais e criança) sob dois colchões de solteiro - o cão tem uma vantagem estratégica porque é a única com lugar demarcado, televisão setada para o canal de desenhos - em volume mínimo e ambiente com temperatura controlada; que venha a hora do sono:
-Pai, hoje eu decidi que vou dormir com você - declara MC enquanto arruma seu kit sono: duas bonecas, um travesseiro (que não importa o travesseiro em si porém a fronha) e um lençol!
-Posso mãe!?
Porque perguntar ao pai sobre a possibilidade de ambos dividirem um colchão de solteiro no chão do comodo entre as camas - a humana e a canina!? É mais importante saber se a progenitora tem algum problema em deixá-la partir na empreitada:
-Claro que não filha - responde a mãe esticando-se relaxadamente e preguiçosamente!

-Vai durar 5 minutos - sentencia o pai.
Infelizmente pai e filha dividem uma típica inquietude pré-sono; um sei lá o que que os fazem virar de lado, trocar a posição do travesseiro, cobri e descobrir, mudar a posição das pernas até que finalmente - por cansaço - caiam no sono. Para sorte do patriarca houve em sua vida uma mãe que o ensinou a passar calado por esse processo: Fica quieto Fernando!
MC espalha as coisas sobre o pai, empurra-o para o lado da cama e senta-se no colchão. O pai entoa então o clássico chavão noturno da casa:
-Neca D e D; porque se D e D vai B a C!

Imediatamente a pequena responde:
-Já sei! Já sei - e fazendo uma imitação cruel da voz do pai ressoa: Neca deita e dorme; porque se dormir e deitar vai bater a cabeça!

Deitada mas não acomodada MC começa a cutucar as costas do pai:
-Pai!? Pai!? Pai!? Pai!?
Obstinado a dormir e faze-la dormir ele não responde. Em pouco tempo a pequena espalma a mão no seu rosto colocando os dedos entre os olhos, nariz e boca:
-Pai!? Sabe o que é isso que eu coloquei na sua testa!?
Bom, não ardeu os olhos: não é xixi!; não tem cheiro de urina: não é xixi; não tem gosto de urina: não é xixi. Confortou-se o pai em pensamentos e lutando contra a vontade de retroargumentar a pequena:
-Isso são lágrimas! E sabe porque são lágrimas?!
Ainda relutando contra o impulso de dialogar o pai permanece em seu papel de pedra de monólogo:
-Porque eu estou triste! Muito triste! Sabe como eu fico quando fico triste!?
-Sabe pai?! Sabe?! Eu fico que nem um palito!
Intrigado com a correlação entre tristezas e palitos porém agarrado ao propósito de fazer a filha dormir o pai teima em não responder.

-Mãe, que horas são!?
-02:09 - reponde a mãe sonolenta.
-Quantos minutos eu estou aqui!?
-Nove! - Responde o pai em tom firme.
A pequena levanta-se rapidamente, recolhe suas coisas e diz exultante:
-Nove é maior que cinco! Nove é maior que cinco!
E enquanto subia na cama para deitar-se ao lado da mãe declara sua vitória:
-Meu pai sempre perde!
...